domingo, 24 de junho de 2012

Entrevistando um chefe de boca de fumo.

Negociando a entrevista 

"Depois que eu o encontrei, ele exigiu que apresentasse, uma semana antes da entrevista, uma relação de perguntas. Quis conhecer a revista, perguntou se haveria câmera e fotografias. Eu disse que não, que a matéria era para uma revista e que seria interessante fotografias, que nós cuidaríamos para que fosse desfigurada. Ele não quis. Estava receoso. Pediu para que eu deixasse a relação de perguntas porque a submeteria a outras pessoas do grupo para ver se seria aprovada.

Oito dias depois me ligaram e colocaram as condições. Um intermediário me levaria a um lugar (que não era a "boca" dele). Aí veio a parte que mais me deixou preocupado: ele não queria repórter, fotógrafo, nada. Na verdade ele daria a entrevista se eu o entrevistasse. E sozinho. Eu não sou repórter e fiquei receoso de não poder conduzir a entrevista a contento. Mas, munido da relação de perguntas preparadas pelo Mariano fui até ele. O encontro foi numa favela de São Paulo, Capital, numa casa onde ele tinha plena vista de tudo, onde, era visível, se sentia seguro. E a entrevista começou.

De cara, ele avisou que não responderia a todas as questões. Eu o confortei dizendo que ele não era mesmo obrigado a responder a tudo. Apreensivo, ele foi lacônico, curto, respondendo de modo meio evasivo. O lugar que ficamos, um quarto, foi esvaziado de seus moradores e o intermediário ficou na porta de guarda. Eu fiquei sentado no chão e ele na cama. O gravador o intimidou. Olhava para ele o tempo todo. Tinha medo de dizer algo que o comprometesse ou ao grupo.

Entrevistei uma pessoa de mais ou menos 1,65 metros, forte, moreno, careca, com uma fisionomia desconfiada, semblante bem carregado. Durante a entrevista várias vezes tive que arrancar quase a fórceps as respostas. Ele se esquivava, fazia gestos de que não havia entendido a pergunta e respondia o mínimo possível. Mas acabou respondendo a todas as questões, ainda que não obtivéssemos realmente o que pretendíamos com as perguntas propostas.

Várias perguntas tive de reformular para que ele pudesse responder. Tive de dar alternativas porque se o esperasse responder, estaria até agora com ele. Ele foi enfático, ainda que econômico, em algumas respostas. Quando perguntei se a polícia é corrupta, ele deixou claro que existem policiais corruptos, mas o pessoal da ROTA é diferente. Senti que ele respeita e teme a ROTA. As duas últimas perguntas foram particularmente difíceis de ele responder e eu tive de amenizá-las. Mesmo assim, uma certa angústia transpareceu em seu rosto.

O que aprendi com essa experiência foi que desse mundo do tráfico há poucos modos de se livrar sem seqüelas. Embora o nosso entrevistado tenha deixado claro que, ao menos no grupo dele, poucos devedores são mortos e as pessoas que querem deixar o "trabalho" possam fazê-lo livremente, em outros grupos essas atitudes não são regras. Mesmo na "boca de fumo" do entrevistado (que fez questão absoluta de ficar sem nome) é de se duvidar que paire tanta compreensão. Afinal, cada vez que alguém consegue se livrar do vício, o tráfico tem que contabilizar um cliente a menos. E nenhuma "empresa" gosta de perder clientes."



(Colaboração: Verônica, 8ª B)

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